sábado, 27 de junho de 2009

Menininho doente, Mário Quintana


Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
junto à janela, sonhadoramente,
ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
o sofrimento que ele tem se evola...

Mas nesta rua há um operário triste:
não canta nada na manhã sonora,
e o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora
pra alminha boa do menino doente.

domingo, 21 de junho de 2009

Trecho d'O Gato Preto, Edgar Allan Poe

Não espero nem solicito o crédito do leitor para a tão extraordinária e no entanto tão familiar história que vou contar. Louco seria esperá-lo, num caso cuja evidência até os meus próprios sentidos se recusam a aceitar. No entanto não estou louco, e com toda a certeza que não estou a sonhar. Mas porque posso morrer amanhã, quero aliviar hoje o meu espírito. O meu fim imediato é mostrar ao mundo, simples, sucintamente e sem comentários, uma série de meros acontecimentos domésticos. Nas suas consequências, estes acontecimentos aterrorizaram-me, torturaram-me, destruíram-me. No entanto, não procurarei esclarecê-los. O sentimento que em mim despertaram foi quase exclusivamente o de terror; a muitos outros parecerão menos terríveis do que extravagantes. Mais tarde, será possível que se encontre uma inteligência qualquer que reduza a minha fantasia a uma banalidade. Qualquer inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que a minha encontrará tão somente nas circunstâncias que relato com terror uma seqüência bastante normal de causas e efeitos.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A cidade do sol, Khaled Hosseini


“Uma jovem Mariam está sentada junto á mesma, fazendo uma boneca á luz de uma lamparina a óleo. Esta cantarolando. Tem o rosto suave e juvenil, o cabelo foi lavado e está penteado para trás. E não lhe falta nenhum dente.

Laila a vê colar pedaços de lã na cabeça da boneca. Em poucos anos essa menina vai ser uma mulher que pede muito pouco da vida, que nunca incomoda ninguém, que nunca deixa transparecer que ela também tem tristezas, desapontamentos, sonhos que foram menosprezados. Uma mulher cuja generosidade, longe de ser contaminada, foi forjada pelas turbulências que se abateram sobre ela. Laila já consegue ver algo nos olhos daquela menina, algo tão arraigado que nem Rashid nem os talibãs conseguiriam destruir. Algo tão rijo e inacabável quanto um bloco de calcário. Algo que, afinal acabou sendo sua ruína e a salvação de Laila. A menina ergue os olhos. Deixa a boneca de lado. E sorri. - ‘Laila jo?’”

domingo, 14 de junho de 2009

In My Life, John Lennon

Em minha vida, eu amo mais a 'vocês'

Há lugares que eu vou me lembrar
Por toda a minha vida
Embora alguns tenham mudado
Alguns para sempre, e não para melhor
Alguns se foram e outros permanecem
Todos esses lugares tiveram seus momentos
Com amores e amigos, dois quais eu ainda posso me lembrar
Alguns estão mortos e outros estão vivendo
Em minha vida, já amei todos eles

Mas de todos esses amigos e amores
Não há ninguém que se compare a 'vocês'
E essas memórias perdem o sentido
Quando eu penso em amor como uma coisa nova
Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto
Por pessoas e coisas que vieram antes
Eu sei que com frequência eu vou parar e pensar nelas
Em minha vida, eu amo mais a 'vocês'

Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto
Por pessoas e coisas que vieram antes
Eu sei que com frequência eu vou parar e pensar nelas
Em minha vida, eu amo mais a 'vocês'

Em minha vida, eu amo mais a 'vocês'...

sábado, 13 de junho de 2009

A estrela, Manuel Bandeira


Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-la na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Cantiga para não morrer, Ferreira Gullar




Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve

Se acaso não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar

E se aí também não possa,
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento

terça-feira, 2 de junho de 2009

Soneto de Corifeu, Vinicius de Moraes


São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

A menina que roubava livros


UMA ÚLTIMA NOTA DE SUA NARRADORA
Os seres humanos me assombram.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry

Vou falar de um clássico que muitos já leram, mas que vale a pena comentar.


A parte da raposa, na minha opinião é a parte mais bonita do livro

- Eu procuro amigos. O que quer dizer ‘cativar’?
- É algo quase esquecido- disse a raposa- significa ‘criar laços’...
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
...
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…”