sábado, 23 de maio de 2009

O encontro marcado, Fernando Sabino



“O silêncio é a linguagem de Deus. No principio era tudo o Verbo, vocês sabem o que é isso? O silencio, o espantoso silêncio do principio. Ah! O verbo e o silêncio são a mesma coisa. É preciso escutar o silêncio, não como um surdo, mas como um cego! O silêncio das coisas tem um sentido. Quem não entende isso não entende nada...”


“A música é a expressão mais completa do que estou dizendo. Ou do que não estou dizendo, pois é preciso ouvir apenas o que não se diz. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça. A música também é silêncio. Bach sabia disso, Mozart também. Beethoven só soube quando ficou surdo. O ar não é silêncio? O vento não faz barulho? E o que é o vento senão ar? A música é o silêncio em movimento.”

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Trecho d'O coração delator, Edgar Allan Poe

"É verdade! Nervoso, muito, muito nervoso mesmo eu estive e estou; mas por que você vai dizer que estou louco? A doença exacerbou meus sentidos, não os destruiu, não os embotou. Mais que os outros estava aguçado o sentido da audição. Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco? Preste atenção! E observe com que sanidade, com que calma, posso lhe contar toda a história."

terça-feira, 19 de maio de 2009

Frida Kahlo



"Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade"

Frida

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Escrevo diante da janela aberta, Mário Quintana

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas cotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar?
Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Infinitivamente Pessoal




"Começou a amanhecer. Não sei ao certo como soubemos que tinha começado a amanhecer: era tão escuro ali dentro que noite ou dia lá fora não faria a menor diferença. Por algumas frestas, frinchas — não importa—, tivemos certeza de que começara, claramente, a amanhecer. E por condicionamento, talvez, porque sempre com o amanhecer chega a hora de ir embora, começamos a ir embora. Feito vampiros às avessas — necessitados de luz, não de sombra. Tinha roxo e rosa no céu. Até as latas cheias de lixo na rua deserta pareciam vagamente douradas. Fez com que caminhássemos a pé, para olharmos o céu. E enquanto eu olhava o céu limpo da cidade suja, interpunha entre nós seu primeiro muro de palavras. Confusas, atormentadas, sobre tudo e sobre nada: palavras amontoadas umas sobre as outras, como se amontoam tijolos para separar alguma coisa de outra coisa. Eu, mal sabendo que esse — que parecia seu jeito mais falso de ser — seria nas semanas seguintes seu jeito mais verdadeiro, às vezes único. Quando o tempo passasse um pouco mais, nos surpreendendo ainda juntos em outra madrugada, minha cabeça repetiria tonta e lúcida 'Éramos tão pálidos, e nos queríamos tanto'. Éramos muito pálidos naquela primeira manhã entre as latas de lixo da rua deserta, caminhando em direção ao dia de hoje — mas ainda não nos queríamos com este enorme susto no fundo dos olhos despreparados de querer sem dor. Lembro que olhando para cima, descobri entre o roxo e o rosa das nuvens um anjo também pálido, magro e de barba por fazer, vestido de negro, com um leve sorriso nos lábios, vertendo uma gota de mel sobre nossas cabeças. Não prestei atenção nele. Me deixava levar, guiado apenas pelo jardim que entrevia pelas frestas dos tijolos, nos muros-palavras erguidos entre nós, com descuido e precisão. Viriam depois, mais muros que os de palavras, muros de silêncio tão espesso que nem mesmo os demorados exercícios de piano, as notas repetidas e os dedos distendidos, conseguiriam derrubar. Errei pela primeira vez quando me pediu a palavra amor, e eu neguei. Mentindo e blefando no jogo de não conceder poderes excessivos, quando o único jogo acertado seria não jogar: neguei e errei. Todo atento para não errar, errava cada vez mais. Mas durante as ausências, olhando então para cima e abrindo a boca, recebia em cheio na garganta as gotas de mel do jarro de lata que aquele anjo pálido trazia ao ombro. Embora me recusasse a ver que o anjo parecia cada vez mais sombrio. Incapaz de perceber que em seu leve sorriso, bem no canto da boca, começava a surgir uma marca de sarcasmo, feito um tique cruel. Passaram-se muitos dias. A lua deu mais de uma volta completa no Zodíaco. Ultrapassou Sagitário e caminhou até Áries, completando seu triângulo de fogo e paixão. Bati as mãos contra o muro, procurando brechas. Não havia mais. Espatifei as unhas, gritei por uma resposta qualquer. Nem uma veio de volta. Olhei para fora de mim e não consegui localizar ninguém no meio das vibrações da cidade suja. Olhei para dentro de mim e só havia sangue. Derramado, como nas cirandas. Queria acordar, mas não era um sonho. Então localizei outra vez aquele mesmo anjo parado entre nuvens. Estava de branco, agora, mas nenhum sorriso nos severos, em suas mãos havia um jarro de ouro. De dentro ele, chovia um mar de sal sobre a minha cabeça. Por quê?! — eu perguntei. O anjo abriu a boca. E não sei se entendo o que me diz."

quarta-feira, 6 de maio de 2009

o Menino do Pijama Listrado



Uma parte da história:

"...Por toda parte que olhavam, viam pessoas altas e baixas, velhas e jovens, todas perambulando. Algumas ficavam imóveis em grupos, as mãos ao lado do corpo, tentando manter a cabeça erguida, enquanto um soldado marchava diante delas, abrindo e fechando a boa com rispidez como se estivesse gritando alguma coisa. Algumas formavam uma espécie de corrente, empurrando carrinhos de mão de um lado da instalação até o outro, surgindo de um lugar além do alcance da vista e levando os carrinhos mais adiante até chegarem atrás de uma cabana, onde desapareciam novamente. Algumas permaneciam perto das cabanas em grupos silenciosos, sempre olhando para o chão, como naquele tipo de brincadeira cujo objetivo é não ser visto. Outras usavam muletas e muitas tinham ataduras em torno da cabeça. Algumas carregavam pás e eram levadas por grupos de soldados até um lugar onde não podiam mais ser vistas..."

Sobre Tuas Pétalas de Mel

"Adocicada flor, tulipa que gira meu sol. Meiga e frágil flor das pétalas de mel. Há dezesseis anos vago no campo das flores vermelhas, tapete de sangue, uniforme singeleza. E quando estas, com seus espinhos me cortaram, lágrimas me resvalaram. Outras, belas e formosas, a sândalo cheiravam. Seduzido, me entreguei aos prazeres das flores vermelhas. Já agora satisfeito, me sentia arrependido. Algo faltava, pois meu peito não calava. Triste e cabisbaixo segui sem rumo pelas malévolas flores. Nesse exato momento, um amarelo incandescente fustigou meus claros olhos, quais por instinto fechei. Suavemente fui abrindo-os novamente, enquanto uma confusão de luzes amarelas adentraram e tomaram conta de meus claros olhos. Em minha visão embaçada, distingui o formato de uma nova flor. Ela transpirava paz e meiguice em cada poro de suas pétalas, sim ela tinha milhares deles. Deu-me a mão e pediu apenas duas coisas: confiança e carinho. Tratava-se de uma exuberante, porém simples, Tulipa. "
Guilherme Nervo (2009)

Trecho d'O Corvo, Edgar Allan Poe

Uma parte do "O Corvo" de Edgar Allan Poe.

"...Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
'Tens o aspecto tosquiado', disse eu, 'mas de nobre e ousado,
Ó velho Corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.'
Disse o Corvo, 'Nunca mais'..."

terça-feira, 5 de maio de 2009

O Garoto das Folhas de Outono

"Era tarde de outono, caracterizada pelas folhas secas no chão. Havia um frio terrível no ar, um frio que lembrava inverno. É engraçado, mas ultimamente até o tempo mente, deve ser a convivência com o ser humano, usa da sua doce falsidade para iludir as mentes. Mas não vem ao caso! Pelo menos não agora.

Eu andava pelas ruas e sentia o ‘falso outono’ em mim. Sentei num banco e esperei, não sabia o que esperava, talvez nada. Apareceu um garoto, não era bonito, mas chamou a minha atenção. Ele não trazia nada nas mãos, talvez o silêncio, que de tão profundo parecia ser matéria. Naquele momento entendi que o silêncio não é só a falta de palavras, também é a forma de olhar e expressão.

O silêncio foi quebrado por uma música trazida pelo vendo, fazia as folhas pularem inquietas, como se estivessem apreensivas com a situação. Ele pensava e mexia em folhas secas. Eram coisas que me encantavam, as coisas simples da vida, as belezas imperfeitas que tornam as coisas tão humanas.

Depois de algum tempo o garoto se foi. Até hoje penso no Garoto das Folhas de Outono. O que se passava na cabeça dele eu nunca poderei saber, mas é isso que torna aquela lembrança tão bonita, o silêncio profundo que tornou aquele momento eterno."