ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,
.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.
Ana sentia-se animada, com vontade de viver, sabia que por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão a olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.
Uma homenagem tardia pelo aniversário do Mário Quintana.
“Cecília, Vinícius, Manuel e Carlos sorriem mansinho, espiando Mário lá do céu, lá de cima.”
“Mas a Terra - tão azul assim, vista de longe, vista de cima - eles olham com pena. Sabem que pelo menos metade desse azul todo, depois que eles se foram, brota dali, do quartinho do Mário. Aí suspiram, tadinho, que barra!”
Caio Fernando Abreu