segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Profecias, Raul Seixas


Tem dias que a gente se sente
Um pouco, talvez, menos gente

Um dia daqueles sem graça

De chuva cair na vidraça

Um dia qualquer sem pensar

Sentindo o futuro no ar

O ar, carregado sutil

Um dia de maio ou abril

Sem qualquer amigo do lado

Sozinho em silêncio calado

Com uma pergunta na alma
Por que nessa tarde tão calma

O tempo parece parado?

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A morte dos girassóis, Caio Fernando Abreu




Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas.

Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir.

Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: “Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?” O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho. Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer.

Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.


Caio Fernando Abreu

domingo, 6 de setembro de 2009

Vai Passar, Chico Buarque


"...Dormia
A nossa pátria mãe
tão distraída
Sem perceber que era
subtraída
Em tenebrosas
transações

Seus filhos
Erravam cegos pelo
continente
Levavam pedras feito
penitentes
Erguendo estranhas
catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma
alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval..."